Uma parte da elite brasileira (financeira, econômica, empresarial e política) tenta enganar a população dizendo que as privatizações são necessárias porque geram mais qualidade nos serviços prestados à população.
Os setores que propagandeiam essa ideia escondem sua real intenção: repassar para a iniciativa privada parte dos serviços que hoje são prestados pelo Estado, para que possam lucrar muito com isso.
A verdade é que a privatização não melhora a qualidade nem reduz os preços dos serviços públicos para o consumidor. Também não estimula a concorrência entre prestadores de serviços, nem elimina a corrupção.
Um risco desnecessário
Serviços públicos existem para que o Estado possa atender necessidades básicas da população (os direitos humanos fundamentais).
Em um país ainda marcado por profundas desigualdades, os serviços e as empresas públicas são essenciais para proporcionar desenvolvimento econômico e social, reduzir o abismo social que separa os mais ricos dos mais pobres, entregar cidadania e condições dignas de vida para a população, especialmente às pessoas das camadas menos privilegiadas.
Privatizações geram exclusão, reduzem a qualidade do atendimento, aumentam os preços e afastam as pessoas de uma vida mais digna.
Pouca concorrência
Outro exemplo claro dos riscos da privatização está nos efeitos para os consumidores.
Pense no sistema bancário brasileiro. Instituições financeiras privadas que adquiriram bancos estaduais foram se fundindo até sobrarem alguns poucos bancos. É um sistema extremamente lucrativo e superconcentrado. O poder de negociação dos consumidores é baixíssimo. Imagine o que ocorreria se fossem privatizadas a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.
Existe também uma prática de combinação de preços entre empresas privadas que se chama cartel e, apesar de ilegal, é adotada por empresários em todo o país nos mais diversos ramos. Já parou para pensar como há pouquíssima (às vezes nenhuma) diferença nos preços dos combustíveis nos postos de gasolina?
A telefonia no Brasil é outro setor extremamente concentrado. Embora seja usado como “exemplo de sucesso” das privatizações, muitas pessoas não sabem que o fator fundamental para a expansão do acesso à telefonia no Brasil não foram as privatizações, mas a mudança da tecnologia, que ocorreu em todo o mundo (e não apenas por aqui). Isso significa que ela teria se tornado ampla e acessível independentemente da privatização.
O problema é que depois de privatizado, o sistema também se tornou altamente concentrado. Além disso, as tarifas no Brasil estão entre as mais caras do mundo, a qualidade dos serviços é muito ruim, muitas áreas não possuem acesso, a telefonia fixa é limitada e as redes de internet são excludentes (as melhores tecnologias e maiores velocidades estão disponíveis geralmente nas regiões centrais ou mais ricas dos grandes centros urbanos). Não é exatamente um grande exemplo de sucesso…
É por isso que as privatizações não garantem aumento de competição entre empresas, mas sim uma batalha covarde entre os interesses delas e os da população.
Aumento dos preços
Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI, que é uma entidade patronal), mostrou que de 1999 (ano em que foram realizadas grandes privatizações no Brasil) até 2019 os serviços passados para a iniciativa privada tiveram, em média, aumentos superiores à inflação oficial do período.
Foram avaliados setores como energia elétrica, transporte, educação, remédios, hospitais e combustíveis. Só televisores e computadores, que justamente passaram por massificação e queda do custo de fabricação nesses 20 anos, ficaram abaixo da média inflacionária.
Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — que mede a inflação oficial — no período registrou 240%, a educação formal ficou 340% mais cara, os preços de serviços médicos e hospitalares particulares subiram 374%. A energia elétrica subiu 358%. O transporte coletivo teve alta de 352%.
Aumento da corrupção
Privatizar não acaba com a corrupção. Pelo contrário, aumenta as possibilidades.
Além da corrupção que ocorre durante as privatizações, quando alguns envolvidos (geralmente políticos e membros de governos) ganham muito dinheiro intermediando o processo com as empresas compradoras, depois da privatização, as formas de controle são drasticamente reduzidas.
Há diversas estruturas para fiscalizar e dar transparência ao Poder Público: Polícia Federal, Tribunais de Contas (da União e dos Estados), Ministério Público (Federal e estaduais) e Advocacia-Geral da União (AGU) são alguns desses órgãos. Há também o Portal da Transparência, que disponibiliza os gastos públicos para a população, pela internet.
Já sobre a iniciativa privada, o Estado brasileiro tem poucas ferramentas para fiscalizar.
Além disso, enquanto a corrupção consumiria um valor estimado entre R$ 100 bilhões e R$ 200 bilhões por ano (o que já representa um grave problema), a sonegação de impostos por parte das empresas privadas geraria um rombo de quase R$ R$ 500 bilhões anuais, retirando do Estado a capacidade de investir em políticas públicas que beneficiariam a população.
E mesmo quando ocorrem desvios de comportamento de agentes públicos (geralmente políticos ou funcionários comissionados sem concurso – os apadrinhados políticos), há empresas privadas envolvidas. A diferença é que é muito mais raro ver um empresário ser punido.
Sucatear para privatizar
Um dos métodos mais comuns usados por governos que pretendem priorizar os lucros da iniciativa privada em vez da população é sucatear serviços e empresas públicas para que, com a perda da eficiência, tenham argumentos para privatizar.
Para isso, cortam recursos, orçamentos, investimentos, pessoal e estrutura. A qualidade cai, deixando a população irritada.
A piora causada pelo sucateamento dá a impressão para a sociedade de que não há outra saída além da entrega para a iniciativa privada.
Isso significa que a culpa pelos problemas do atendimento à população não é dos servidores, mas dos governantes. De forma intencional e proposital, reduzem a qualidade dos serviços públicos para depois privatizá-los.
Reestatizações pelo planeta
Priorizando o lucro, empresas privadas tornaram os serviços públicos mais caros e ruins. Foi essa a conclusão de muitos governos de países considerados “mais desenvolvidos”.
As reestatizações, ou “desprivatizações”, chegam como reversão ao problema. A forma mais comum é a não renovação de contratos de concessão. Mas rompimentos antecipados também acontecem. Um estudo do TNI (Transnational Institute, sediado na Holanda) apontou pelo menos 884 serviços que foram reestatizados no mundo em países centrais do capitalismo, como Estados Unidos (sim, eles possuem milhares de empresas estatais, principalmente pertencentes aos estados e nos municípios, chamadas de public authorities), Alemanha, Reino Unido, França e outros.
A verdade é que a privatização dos serviços públicos é ruim para o Brasil e para os brasileiros. Portanto, cabe à sociedade cobrar dos governantes para que o Poder Público oferece atendimento de qualidade, capaz de suprir as necessidades da maioria da população.